“A educação inclusiva é um processo que visa responder à diversidade das necessidades de todos os alunos promovendo a participação e a aprendizagem.” (UNESCO, 2009)
É hoje consensual que a Escola deve assumir uma perspetiva inclusiva. Devendo ter em consideração as características singulares de cada aluno e tentando dar resposta às suas necessidades.
Mais do que transmitir conhecimentos, a Escola dos nossos dias pretende formar futuros adultos que revelem competências, saberes e valores. Os mesmos devem permitir-lhes ter um papel ativo na sociedade.
A par disso, pretende formar cidadãos empreendedores, interventivos, capazes de se adaptar a diversos contextos. E, acima de tudo, pessoas felizes e integradas numa sociedade que os valorize a si e às suas capacidades.
Neste sentido, a implementação do Decreto-lei n.º 54/2018 veio reforçar esta perspetiva.
O mesmo defende princípios e valores inclusivos, através da implementação de medidas de política educativa que enquadrem a ação das escolas e comunidade educativa. Levando-nos assim, a refletir e a alterar as nossas práticas educativas.
Perto do término de mais um ano letivo e, após dois períodos de implementação do “novo” decreto, importa fazer uma reflexão sobre a ação que tem sido desenvolvida.
É importante perceber as dificuldades enfrentadas por aqueles que na sua prática diária – professores, psicólogos, terapeutas, pais e muitos outros envolvidos no contexto educativo – encontraram ao longo destes meses, enaltecendo também as modificações e aspetos positivos que a mudança na lei trouxe à educação.
Educação inclusiva: Quais as principais mudanças com o novo decreto lei
O Decreto-lei n.º 54/2018 veio reequacionar o papel da Escola. As principais alterações têm a ver com o modo como esta olha para os alunos e como se organiza para poder responder às necessidades de todos eles.
Este decreto-lei abandona uma conceção mais restrita de medidas de apoio apenas para alunos com “necessidades educativas especiais”. O mesmo assume agora uma visão mais alargada, pensando na Escola como um todo.
Este diploma assume ainda o pressuposto de que qualquer aluno pode necessitar de medidas de suporte à aprendizagem ao longo do seu percurso escolar.
Assim, deixamos de ter um decreto-lei para alguns alunos, passando a ter um decreto-lei que abrange todos os alunos.
O foco está agora nas respostas educativas que a Escola deverá dar aos mesmos. Estas vão colmatar as suas dificuldades e não categorizar os alunos.
Para além destas alterações fundamentais, este diploma reforça ainda a importância da mobilização de outros recursos da comunidade no processo educativo. Os principais são: recursos de saúde, emprego ou formação profissional.
É reforçada também a importância dos pais e encarregados de educação no processo educativo e sucesso escolar dos filhos.
Os mesmos são um elemento terminante na definição das medidas educativas a adotar ao nível da educação inclusiva.
Abordagem multinível e medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão
O Decreto-lei n.º 54/2018 trouxe uma mudança de paradigma, introduzindo uma nova abordagem nas práticas educativas e nas diferentes respostas dadas aos alunos.
A abordagem multinível é orientada para o sucesso de todos os alunos. E, isso será alcançado através da organização de um conjunto integrado de medidas de suporte à aprendizagem.
Trata-se de uma abordagem centrada nas intervenções de caráter universal, dirigidas a todos os alunos e da responsabilidade de todos os que intervém no seu processo educativo.
De acordo com o decreto-lei, as medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão pretendem garantir a todos os alunos a equidade e a igualdade de oportunidades de acesso ao currículo, de frequência e de progressão no sistema educativo.
As medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão são organizadas em três níveis de intervenção:
- Universais
- Seletivas
- Adicionais
- Medidas universais
- Diferenciação pedagógica
- Acomodações curriculares
- Enriquecimento curricular
- Promoção do comportamento pró-social
- Intervenção com foco académico ou comportamental em pequenos grupos
- Medidas seletivas
- Percursos curriculares diferenciados
- Adaptações curriculares não significativas
- Apoio psicopedagógico
- Antecipação e o reforço das aprendizagens
- Apoio tutorial
- Medidas adicionais
- Frequência do ano de escolaridade por disciplinas
- Adaptações curriculares significativas
- Plano individual de transição
- Desenvolvimento de metodologias e estratégias de ensino estruturado
- Desenvolvimento de competências de autonomia pessoal e social
A mobilização das medidas de diferente nível é decidida ao longo do percurso escolar do aluno, em função das suas necessidades educativas. Medidas de diferentes níveis podem ser aplicadas simultaneamente em caso de necessidade.
A avaliação formativa assume assim um papel muitíssimo importante. A mesma irá fornecer evidências relevantes acerca da eficácia das ações e estratégias implementadas pela Escola, bem como, dos progressos dos alunos.
A definição de medidas de suporte à aprendizagem e à educação inclusiva é realizada pelos docentes.
Mas, conta com a colaboração dos pais ou encarregados de educação e outros técnicos que intervém diretamente com o aluno. Desse modo, apela-se assim para a responsabilização de todos no processo educativo e sucesso escolar do aluno.
Equipa multidisciplinar de apoio à educação inclusiva
Outra das mudanças introduzidas pelo Decreto-lei n.º 54/2018 é a criação da equipa multidisciplinar de apoio à educação inclusiva (EMAEI).
Da equipa permanente fazem parte:
- Um docente que coadjuva com o diretor
- Um docente de educação especial
- Três membros do conselho pedagógico com funções de coordenação pedagógica de diferentes níveis de ensino
- Um psicólogo
Cabe a esta equipa, entre outras funções:
- Propor as medidas de suporte à aprendizagem
- Acompanhar e monitorizar as mesmas
- Prestar aconselhamento aos docentes e orientá-los para práticas pedagógicas inclusivas
- Elaborar os documentos definidos pelo decreto-lei.
A equipa multidisciplinar poderá solicitar a participação de outros elementos nas suas reuniões, nomeadamente, diretores de turma, outros docentes, técnicos que intervenham com o aluno e pais.
O contributo destes será fundamental pois conhecem o aluno, as suas dificuldades e competências.
Educação Inclusiva: quais os desafios?
Se por um lado, a mudança de paradigma neste decreto-lei assenta em práticas cada vez mais inclusivas que são de enaltecer, por outro lado tem trazido alguns desafios na sua implementação.
Na minha perspetiva a criação de um decreto-lei que abrange todos os alunos é um avanço no que respeita a verdadeira educação inclusiva.
Deste modo, esbate-se a categorização e a segregação dos alunos com maiores dificuldades (anteriormente designadas por necessidades educativas especiais).
A verdade é que todos os alunos apresentam necessidades, sejam elas mais ou menos marcadas.
Outro dos aspetos que merece alguma reflexão é o facto de, com a implementação deste diploma, o papel do professor se tornar fulcral no processo de aprendizagem do aluno. Vai passar a privilegiar-se a sua autonomia e o poder de decisão relativamente aos seus alunos e às práticas educativas que adota em sala de aula.
Este aspeto traz-lhe sem dúvida maior responsabilidade pelo sucesso ou insucesso académico dos seus alunos.
Apesar das mudanças, por mim consideradas positivas, nem tudo tem sido fácil na implementação deste decreto-lei. Quem trabalha diretamente com ele, sabe do que falo.
Um dos aspetos que mais dúvidas tem colocado aos professores, e inclusivamente às equipas multidisciplinares, tem sido a operacionalização das diferentes medidas de suporte à aprendizagem e inclusão.
Isto porque são enumeradas mas não operacionalizadas no decreto-lei nem no respetivo manual de apoio à prática.
Constata-se então que cada pessoa interpreta e operacionaliza à sua maneira, surgindo modos de atuação diferentes de escola para escola.
Talvez não tenha sido ao acaso esta falta de operacionalização, já que se espera cada vez mais autonomia e flexibilidade por parte das escolas. Mas a verdade é que esta questão gerou (e ainda gera) muita confusão.
Tem sido fundamental o diálogo e a partilha entre as escolas para se chegar a um entendimento e linguagem comuns.
Documentos de registo: são cada vez mais importantes
Outro fenómeno que se pode observar é a multiplicação de documentos de registo, grelhas de observação e monitorização.
Tem havido uma preocupação por parte dos professores e equipas multidisciplinares em registar todas as medidas adotadas para determinado aluno, assim como, em criar grelhas de monitorização da eficácia das mesmas.
Esperemos que esta preocupação se estenda efetivamente à implementação das medidas no processo educativo do aluno e não se restrinja ao preenchimento desses mesmos documentos.
Não poderia deixar de focar, enquanto elemento de equipas multidisciplinares de apoio à educação inclusiva, uma limitação que me parece clara e generalizada à maioria das escolas.
Poderá a equipa multidisciplinar, tal como está definida, com o número de elementos que dispõe, dar resposta a todas as solicitações?
Existem recursos humanos suficientes e tempo disponível para o trabalho a desenvolver e funções atribuídas à EMAEI?
Será uma equipa suficiente para escolas ou agrupamentos de escolas com elevado número de alunos?
Quem conhece a realidade das nossas escolas sabe as respostas a estas questões.
Ainda existem muitas questões e dúvidas relativamente ao Decreto-lei n.º 54/2018, muitas reflexões a fazer e, eventualmente, muitas arestas para limar.
Mas apenas refletindo sobre a nossa prática educativa e as limitações da nossa ação poderemos progredir e ajudar na mudança, quer no domínio político e legislativo, quer na forma de pensar a inclusão e a Escola que pretendemos construir.