Quando se fala de Paralisia Cerebral, surge na cabeça de muitas pessoas as piores limitações que uma criança pode ter, ou então, uma gravidez desejada, mas que teve um final um pouco amargo. Pensamos também no sofrimento que não tem fim à vista, tanto da criança como da própria família.

Como será que esta criança irá crescer?

Algum dia vai ser independente, fazer a sua vida?

Nunca, certamente conseguirá fazer o que as outras crianças fazem… E aqueles pais, coitados daqueles pais!

São algumas das questões que surgem e que ouvimos, nós técnicos, pais, famílias…

 

Mas afinal a Paralisia Cerebral?

Quando olhamos para o nosso cérebro como se fosse um quadro elétrico e, quando associamos a este o centro de tudo, torna-se mais claro para nós, como é que o nosso cérebro funciona e o que o torna tão especial.

Imaginemos então, que uma das partes do quadro elétrico deixa de funcionar… Vamos supor que é a sala. É sensato afirmar que, qualquer um de nós consegue fazer a sua vida sem a luz da sala, ou sem aquela divisão da casa. Adaptamo-nos, arranjamos estratégias. Imaginemos agora que é a cozinha! Um pouco mais difícil, porque é nesta divisão que preparamos as nossas refeições, praticamente o que nos dá energia para viver. Mas então, imaginemos que o que falha no quadro elétrico corresponde à casa-de-banho, cozinha e ainda a sala! Fica bastante mais complicado…

É de uma forma ilustrada e simplificada um pouco o que acontece no desenvolvimento da Paralisia Cerebral. Por privação de oxigénio, durante ou após o parto, áreas ao caso do nosso cérebro deixam de receber este componente, tornando-as pouca funcionais ou mesmo disfuncionais. Mas ainda assim, o nosso cérebro consegue ter a capacidade de se adaptar, capacitar as restantes áreas, de modo a que estas consigam, totalmente ou parcialmente adquirir as competências perdidas – a isto dá-se o nome de Neuroplasticidade.

Mas isto é assim tão linear? Infelizmente não…

A complexidade desta patologia está relacionada com duas coisas: área do cérebro que foi privada de oxigênio – área lesada –e a dimensão da lesão, ou seja, o tempo que aquela área ficou privada de oxigênio.

Lembram-se há pouco das divisões da casa?! O mesmo acontece no nosso cérebro.

Existem crianças com esta patologia, que são altamente funcionais, porque o tamanho da sua lesão foi minor e numa área do cérebro, facilmente adaptável ou de neuroplasticidade eficaz. No entanto, existem crianças, em que para além de a lesão ter sido de dimensão significativa, a zona em que a mesma ocorreu tinha um papel direto no que diz respeito ao desenvolvimento motor-normal ou então, existiram mais do que uma área afetada, minimizando assim a capacidade de eficácia no que diz respeito à adaptação do nosso cérebro, promovendo limitações não só em áreas responsáveis pela área motora como também áreas pela cognição e funções básicas.

Mas então, existe retorno? Existe maneira de minimizar os danos existentes?!

A partir do momento em que este tipo de lesão é detetada, a criança deverá ser acompanhada por uma equipa de intervenção. Equipa esta multidisciplinar, composta pelas especialidades médicas e ainda terapêuticas com elementos como Fisioterapeutas, Terapeutas Ocupacionais e Terapeutas da Fala.  E dependendo das limitações manifestadas pela criança, poderá ser necessário a intervenção de uma ou várias especialidades terapêuticas.

E qual o papel da Terapia Ocupacional?

Enquanto terapeuta ocupacional e sendo uma especialidade talvez menos divulgada que as restantes não posso deixar de abordar mais especificamente.

No caso concreto da intervenção da Terapia Ocupacional, podemos afirmar que esta área acompanha, todo o percurso de vida da criança. Desde o momento em que esta nasce, durante o seu período académico e, em casos mais severos em contexto de CAO (Centro de Actividades Ocupacionais) para o resto da vida.

Mas faz assim tanta diferença este tipo de intervenção?

Numa fase mais precoce, a intervenção da Terapia Ocupacional tem como foco potenciar todo o desenvolvimento da criança, nomeadamente a aquisição de competências motoras, cognitivas e sensoriais que esta não possui ou que estão em atraso de desenvolvimento como por exemplo, a alternância de decúbitos, o controlo motor da cervical, o controlo óculo-motor, o rastejar, contacto com o outro, causa-efeito,… Toda esta intervenção é feita através como forma de potenciar e através do brincar, que é a ocupação base da criança. É através do brincar que a criança se desenvolve, se descobre, se maximiza, desenvolve as suas competências.

Na idade pré-escolar, o Terapeuta Ocupacional, tem o papel de facilitar a inclusão escolar e potenciar, de forma facilitadora, todas as exigências inerentes a um bom desempenho escolar. Este trabalho é feito, naturalmente, em parceria com a equipa educativa. É também nesta etapa da intervenção, que o Terapeuta Ocupacional potencia o nível de autonomia da criança, ensinando estratégias facilitadoras do seu desempenho, realizando adaptações no seu contexto escolar/ domiciliar ou, fazendo recurso de produtos de apoio que podem e ajudam a aumentar o seu nível de autonomia.

Este acompanhamento é feito, preferencialmente, durante todo o período escolar, até que, o Terapeuta perceba que a sua intervenção já potenciou o máximo das competências da criança/ jovem.

Nesta fase, o papel da Terapia Ocupacional ocupa um lugar de manutenção, ou seja, manter todas as competências.

Mas ainda assim, fica uma questão por responder…

Estas crianças serão independentes? Conseguirão “fazer a sua vida” apesar de todas as adversidades?

Nós, terapeutas trabalhamos para que essa prática seja cada vez mais real. O trabalho que é desenvolvido com estas crianças e respectivas famílias, visa potenciar competências, independência e autonomia e um sentido e eficácia da criança, tornando-a confiante e capaz de ter uma visão optimista, face às suas limitações.

Estas crianças, jovens e futuros adultos, são capazes e vivem um percurso que é seu, com dias bons e menos bons como todos nós, com barreiras por ultrapassar e momentos únicos para aproveitar.

 

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